sexta-feira, setembro 05, 2008

O Sermão das ONGs


Agradeço sinceramente a Deus que haja um número cada vez maior de pessoas empenhadas em agir efetivamente na inclusão social. Se o mundo caminha rapidamente para um abismo capitalista onde voltaremos todos a nos digladiar por bens consumíveis – antes era por comida e água; no futuro será por computadores, celulares e o que ainda está por ser inventado – ainda há muita gente solidária, com preocupações mais humanas, menos mercadológicas. Existe alguma esperança.
No entanto, todos nós sabemos o que preenche o inferno, além de pedófilos, políticos corruptos, empresários que constroem prédios com areia da praia e apresentadores e produtores de certos programas de televisão: o diabo adora boas intenções e demagogos.
Talvez, com um pouco de boa vontade – essa, creio, anda mais bem-acompanhada – possamos livrar a cara das boas intenções, desde que esta não venha acompanhada de sua irmã gêmea, a superficialidade. Pessoas cobertas de boas intenções, mas que não conhecem adequadamente as causas que defendem, podem causar danos canhestros com a nítida sensação de que estão ajudando a salvar o mundo.
Isto é muito fácil de perceber, por exemplo, quando damos esmolas para crianças pelas ruas. Boa parte delas, é sabido, são vítimas de adultos exploradores, que também têm lugar de honra lá no quinto dos infernos. Achamos, a depender da carinha da criança, de seus trajes, do ar desamparado que ela nos joga, que estamos contribuindo para o seu bem-estar. Crianças um pouco maiores, adolescentes, muitas vezes sequer são coagidas por adultos calhordas: eles mesmos desenvolvem suas táticas de convencimento e saem por aí derretendo nossos corações.
Não generalizo – generalizar é uma das vertentes da superficialidade – pois sei que há crianças e adultos que foram lançados àquela condição miserável e que têm nas esmolas que recebem muitas vezes o único recurso de que dispõem. Aí teríamos que discutir ações efetivas que acolham essas pessoas e lhes restituam a dignidade, o que nem sempre estamos dispostos a fazer, pois a esmola é mais prática e rápida. O mesmo problema acontece nos trabalhos sociais, nas iniciativas populares: os bem-intencionados superficiais vão no emocional, no “bonitinho”, e não perdem tempo estudando a realidade e estratégias mais efetivas de ação.
Há mais um fator interessante: o superficial, via de regra, é grande admirador do demagogo e aceita passivamente suas idéias e sua voz de comando.
A demagogia, ao contrário da superficialidade, raramente, ou nunca, vem acompanhada de boas intenções. Identificar um demagogo é muito fácil; ele, assim como algumas pessoas bem-intencionadas, mas superficiais, adora fazer discursos e despachar frases de efeito, se emociona facilmente, cultua heróis. Mas o demagogo tem uma característica muito peculiar: adora chamar a atenção para si, ainda que finja não gostar de aparecer. O demagogo se orgulha de seus feitos, divulga suas façanhas e dá a entender, descarada ou sutilmente, que sem ele as coisas não seriam tão boas como são.
Mas o pior defeito do demagogo, obviamente, é o fato de agir em última instância sempre pensando em si mesmo. Esse tipo humano, por mais que faça pelo coletivo, sempre almeja uma fatia especial do bolo; ele não se incomoda em manipular, em passar outras pessoas para trás, em tomar para si elogios que não merece. O demagogo tem absoluta certeza de que é especial, superior aos outros.
Ora, infelizmente, temos inúmeras pessoas bem-intencionadas, mas superficiais, trabalhando lado a lado com demagogos em quase todos os projetos sociais que conhecemos. É óbvio que não são apenas esses dois tipos que atuam em causas humanitárias. Mas, para meu espanto, devo admitir que são essas pessoas – demagogos e superficiais – que fazem boa parte das coisas acontecer. No entanto, infelizmente, também são essas pessoas que fazem as coisas não acontecerem. Explico: superficiais e demagogos são viciados em problemas; para eles, sempre será necessário que haja o analfabeto, o crime, a exclusão, pois ambos se alimentam do sofrimento alheio, seja para aplacar suas consciências culpadas, seja para fazer carreira profissional. Assim, atuam para mostrar serviço, não para solucionar problemas.
Como resolver os problemas típicos desses dois tipos de pessoas? Simples: superficiais, primeiro reconheçam o que são, depois informem-se e envolvam-se. Demagogos: tomem vergonha nessa cara safada e parem de tirar proveito dos necessitados e dos inocentes úteis.

Um comentário:

Jéssica Balbino disse...

muito válida a crítica !
bj

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