quinta-feira, fevereiro 25, 2010

ave, samurai

não fosse Leminski
o sol e as andorinhas,
das palavras, coitadinhas
jamais teceriam
os verões e as manhãs
(só os galos de mil esporas
cantariam para muros)

os refrões e os dicionários,
e as rimas, pobrezinhas,
tudo isso ficaria
porcaria sem a gíria
só poesia para otários

mas o polaco
sagaz-sábio
com a espada oriental
vem rasgando madrugadas
doce, ébrio e apaixonado
pula muros
beija galos.

domingo, fevereiro 21, 2010

Veríssimo em grande estilo

Os Espiões faz rir. Precisa de mais?

Gostando ou desprezando, é impossível negar a importância de Luis Fernando Veríssimo na cultura brasileira. Encontrar uma coleção de livro didático no Brasil não tenha ao menos uma crônica do escritor gaúcho é quase impossível; muitos de nós curtimos programas de televisão que estão relacionados a ele; somos muitos os leitores de suas colunas pelos jornais brasileiros e já houve períodos em que o filho de Erico Verissimo foi o autor brasileiro que mais vendia livros no Brasil, desbancando, por exemplo, Paulo Coelho. Aliás, é possível que essa popularidade, via lista de best Sellers e programas de televisão, seja o principal motivo de muitos torcerem o nariz para Luis Fernando Veríssimo. Infelizmente, quando o assunto é cultura, não são poucos os que associam sucesso a falta de qualidade.
É bem verdade que qualquer um que tenha como profissão a produção semanal de uma série de textos não acertará sempre – esta talvez seja a principal inconveniência para o escritor profissional: a demanda enorme de textos reduz a qualidade final do produto. Mas é de se notar que a quantidade dos trabalhos ajuda a firmar o estilo de quem escreve, que é facilmente reconhecido logo nas primeiras linhas, como acontece em Os Espiões, seu mais novo livro – que, aliás, figura em algumas listas dos mais vendidos.
Os Espiões não é um romance. Talvez seja uma novela. Mas eu diria que é uma típica crônica de Veríssimo, “esticada” o suficiente para termos em doses romanescas todas as características do autor. O enredo é o seguinte: um parecerista alcoólatra de uma editora fica intrigado com os originais de um livro – mal escrito, diga-se – a ponto de mover seus amigos de copo em direção à cidade de Formosa, localizada no interior do Rio Grande do Sul, para desvendar alguns “mistérios”. Nada de personagens complexas, esféricas, nada de enredo intrincado. Mas a diversão é garantida.
E é justamente aí que está o sabor da obra. Trata-se de um livro para lermos por puro divertimento. Apesar de alguns críticos o terem vendido como um romance policial, os “espiões” da obra andam aos esbarrões, com suas trapalhadas que pouco produzem. A paródia do gênero policial não tem outra função que a de provocar o riso.
O certo seria dizer que Os Espiões, o livro, a exemplo de boa parte da obra de Veríssimo, é um delicioso livro de humor, com as mesmas tiradas, hipérboles, ironias e eufemismos que caracterizam o autor, para citar algumas das figuras de linguagem que são explicadas nos livros didáticos com trechos de crônicas do escritor.
Na verdade, seja pela editora que lançou o livro – a imponente Alfaguara – seja pelo normal preconceito que paira sobre a facção chata da crítica, dizer que um livro de humor é bom e recomendável é sempre temerário. Essa gente sisuda que afasta o leitor comum da literatura, ao dizer, ou sugerir, que o que é engraçado não tem a “elevação” necessária para ser chamado de “boa literatura”. O próprio selo Alfaguara, acostumado a lançar obras "sérias", parece querer dar um ar mais "acadêmico" a Veríssimo. Ainda que não trate de temas “elevados” e que contenha as fissuras naturais em textos que são “esticados” demais – é notória a falta de “liga” nos momentos definitivos da história, não vou mentir – Os Espiões é uma leitura leve, divertida, saborosa e indispensável, para terror dos críticos de gabinete e delícia do leitor comum e bem-humorado.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Dois passos adiante

O que tem demais esse tal de Encontro Marcado, que Fernando Sabino escreveu há mais de cinquenta anos? Uma história meio sem história, que vai apenas amontoando episódios na vida de Eduardo, desde a infância e adolescência – eita homem pra falar bem dessas coisas, esse Fernando Sabino! – até a idade adulta – no livro, o personagem não chega à velhice.
Livro meio de artista para artista, que vai mostrando as inquietações de um menino, jovem, homem, que não se contenta jamais com o mundo ao seu redor e sempre busca alguma coisa, que nunca sabe bem o que é. Nessa busca, Eduardo vai fazendo o que nós, os normais, gostaríamos tanto de fazer, mas não podemos, pois não temos alma de artista – e muitas vezes até artista tem que bater cartão ou assinar ponto. Eduardo ganha prêmios com seus textos – um deles recebido das mãos do ministro da Educação – vira campeão de natação, entra para a cavalaria, faz Direito, escreve para jornais, namora belas moças, tem um amigo de adolescência que se suicida, presencia o suicídio de uma prostituta que se atira da janela de um hotel, namora e casa-se com a filha de um ministro, muda-se de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, onde vira servidor público e faz parte de uma roda de amigos que levam uma vida mais ou menos igual à dele: grandes expectativas, enormes vaidades, casos amorosos rasteiros, adultérios medíocres, bebedeiras vexatórias e quase nenhuma produção artística ou intelectual relevante, nem ao menos ridícula.
Durante todo esse período, Eduardo sente-se incomodado por não fazer nada que, na opinião dele, faça algum sentido. Considera-se escritor, mas suas criações literárias ficaram para trás, nos tempos da adolescência, e seus artigos escritos para jornais ocupam-se sobre o romance enquanto objeto a ser estudado, de maneira teórica, chata, mesmo, mas não chega nunca a escrever um livro. Entre seus amigos temos poetas – decadentes ou que ficam apenas no campo das promessas que nunca se realizam – pintores – que não alcançam destaque algum com seus quadros – jornalistas que não vão além da bajulação das autoridades ou das críticas incipientes, esperneando feito adolescentes.
Nesse ambiente segue Eduardo Marciano, entre as não realizações: entregue à bebida e à boemia, não consegue manter o próprio casamento de maneira saudável, sua mulher engravida, mas sofre um aborto natural – indicador da esterilidade artística de Marciano – seus amigos vão gradativamente se afastando, seguindo caminhos distintos, e o garoto ativo e cheio de energia do início da história vai dando lugar a um homem amargurado, que não completa seus projetos, que não faz questão de nada, que, nas palavras de Antonieta, sua esposa, é um “homem torturado”.
O casamento termina, Eduardo é tomado por uma súbita e arrebatadora paixão não correspondida por Gerlaine. A jovem não parece ter grandes interesses nele, além de mantê-lo sob seu domínio por mero capricho. Antonieta, cansada do hábitos do marido, o abandona, não sem antes manter um caso furtivo com um amigo de Eduardo.
O trajeto e as inquietações do protsgonista, que ficou ainda mais angustiado após a morte de seu pai, com quem mantinha uma relação bastante forte, são de franca decadência, com alguns poucos pontos de restauração, mas que nunca são plenas. Dentre suas dúvidas, é recorrente o questionamento sobre a existência ou não de Deus, já que, apesar da criação católica, Eduardo nunca esteve certo sobre sua própria fé.
Todas as inquietações de Eduardo formam um belo painel do que foi a geração de Fernando Sabino. Ora, nascidos no período entre duas guerras mundiais, após o surgimento das vanguardas europeias e do modernismo brasileiro, num período de “monoteísmo marxista” entre os intelectuais, todas as certezas cultivadas até então, na arte, na religião e no pensamento em geral, estavam em xeque. A sensação que muitos tinham era a de que algo precisava ser feito urgentemente, que o mundo precisava ser transformado, mas nada gerava uma certeza. Entre a grande ansiedade para realizarem grandes feitos e a dúvida sobre qual rumo tomar, muitos se perderam pelo caminho e foram, lenta e placidamente, sendo absorvidos pela sociedade, pelo sistema, pela inércia. Assim, Eduardo criança, autoritário, precoce e impetuoso, virou um homem fraco, sem iniciativa e consciente de sua inutilidade.
As gerações seguintes criaram a contracultura, o rock, clamaram por reformas, pediram o fim dos conflitos armados, lutaram por um mundo mais justo, solidário e democrático, mas acabaram com o mesmo tom de resignação que Eduardo Marciano. Fernando Sabino não se adiantou nas propostas de mudar o mundo, mas previu o marasmo que sucederiam toda a euforia que viria pela frente. Prever o fracasso da geração que ainda estava por vir, adiantando-se dois passos na História, é coisa que nem os maiores charlatões, sem o menor compromisso com a verdade e com a coerência, costumam fazer. É coisa para poetas, artistas, loucos e gênios, como Eduardo Marciano e Fernando Sabino.

domingo, fevereiro 07, 2010

Lágrimas e Letras

Hoje pela manhã assisti a alguns lances protagonizados por Robinho, do futebol de salão, aos sete anos, até jogadas memoráveis na seleção brasileira e no Santos(!). Confesso, com alguma vergonha, que me emocionei a ponto da lágrima dançar na borda das pálpebras.
Apesar do comportamento muitas vezes antipático do atacante – extremamente marrento – como torcedor do Santos que sou, tenho uma dívida com ele: títulos, jogadas de mestre, a volta do orgulho de torcer para o alvinegro praiano, pedaladas, tormento para corintianos, várias exibições de gala.
Claro que todo santista, todo corintiano, todo brasileiro sabe do que Robinho é capaz, mas nos últimos anos estávamos acostumados a ver notícias nada agradáveis sobre o jogador, que de futuro melhor do mundo estava passando para a pródiga categoria das promessas não cumpridas no futebol – vão de jogadores que despontam para o anonimato ao estádio do Corinthians. Robinho brigou em todos os clubes por que passou, badalou, mascarou-se: pedalava, pedalava e caminhava para morrer na praia.
O craque – alguém duvida que ele seja um craque? – resolveu voltar para o Santos(!) porque, segundo ele mesmo, estava muito infeliz dentro de campo e precisava estar “em casa” para voltar a dar show.
O atacante estreou hoje. Começou no banco e quando entrou deixou bem claro que estava fora de forma, lento, sem ritmo. A decepção pairava e eu já me preparava para ouvir provocações sobre o desempenho do jogador – “o triatleta: corre, pedala e... nada!
Numa jogada com Neymar (com quem eu já não contava mais e que agora me enche os olhos a cada partida), mostrou que estava de volta mesmo. Num lance altamente técnico, de letra (de letra!), Robinho fez um golaço, num clássico contra o São Paulo, em um dos goleiros mais importantes da história do futebol mundial, um “tal” de Rogério Ceni. Acho que ele está feliz. Eu estou feliz!
Ao final do jogo, confesso que me emocionei sem o menor constrangimento, a ponto da lágrima não se contentar com a borda da pálpebra.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

MASCARADA

Você me conhece?
(Frase dos mascarados de antigamente)
- Você me conhece?
- Não conheço não.
- Ah, como fui bela!
Tive grandes olhos,que a paixão dos homens(estranha paixão!)
Fazia maiores...
Fazia infinitos.
Diz: não me conheces?
- Não conheço não.
- Se eu falava, um mundo
Irreal se abriaà tua visão!
Tu não me escutavas:
Perdido ficavas
Na noite sem fundo
Do que eu te dizia...
Era a minha fala
Canto e persuasão...
Pois não me conheces?
- Não conheço não.
- Choraste em meus braços
- Não me lembro não.
- Por mim quantas vezes
O sono perdeste
E ciúmes atrozes
Te despedaçaram!
Por mim quantas vezes
Quase tu mataste,
Quase te mataste,
Quase te mataram!
Agora me fitas
E não me conheces?
- Não conheço não.
Conheço que a vida
É sonho, ilusão.
Conheço que a vida,
A vida é traição.


é do Manuel Bandeira!

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Fome de letra

Anos atrás, Marcelo Mirisola entrou no mesmo ônibus em que eu estava. Quando disse à pessoa que me acompanhava que aquele era um famoso escritor, o comentário foi:
- Famoso e tá pegando ônibus, uai?
Sim, digo, não, os escritores não são necessariamente abonados, inclusive boa parte dos famosos. Aliás, escritor famoso atualmente é quase uma construção literária: famoso mesmo é o Paulo Coelho, são as escritoras que conseguiram cair no gosto da galera sexualmente curiosa e olhe lá. Entre ganhadores de prêmios Jabuti e APCA, entre acadêmicos imortais, entre roteiristas de filmes célebres, entre autores renomados e dramaturgos descolados, são poucos os que precisariam se disfarçar para ir ao shopping num sábado à tarde. E outra: andar de ônibus não é, necessariamente, prova de fracasso financeiro, assim como ser um famoso escritor não é atestado de competência ou de conta bancária com sustânça.
Leia Mirisola e tire suas conclusões sobre fama, talento, grana. Tenho opiniões sobre ele, sobre a obra dele, mas deixa pra lá.
Agora, se não é pela grana nem pela fama esponjosa das celebridades, por que as pessoas ainda escrevem? De verdade, de fato, juro, isso pra mim é um escabroso mistério...
Possíveis motivos menos nobres: pegar mulher, poder fazer cara de inteligente, ter assunto em mesa de bar, dar entrevista – a segunda atividade mais almejada e praticada por escritores; exceções apenas encorpam as massas – conseguir uns bicos na publicidade, no jornalismo e nas casas de cultura, poder tirar foto fazendo pose de pensador sem soar muito ridículo, ter seu nome nos jornais e revistas sem ser na lista de pensionistas, aprovados em vestibular ou entre as vítimas de catástrofes naturais e artificiais...
Um motivo nobre para escrever? Sentir na carne da alma a ardente ferida provocada pelo arranhão da afiada unha que inquieta os espíritos menos complacentes.
Será que já posso fazer cara de inteligente?

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