terça-feira, março 01, 2011

As palavras mudam de ideia: vilões e maloqueiros

Às vezes, o dicionário não é suficiente. Consultando um aqui ao lado, vejo que “vilão” significa ao mesmo tempo “abjeto, baixo, desprezível”, “pessoa que tem origem plebeia” e “que habita numa vila”. Somos todos vilões? A maioria de nós não mora em uma vila, quase todos somos de origem plebeia; quem de nós é um ser abjeto, baixo, desprezível?
Atualmente, usamos o termo “vilão” para nos referirmos aos seres maus da ficção, os que atrapalham a vida dos heróis, dos “mocinhos e mocinhas”. Neste dicionário, este significado não aparece, mas, mesmo assim, revela que o preconceito endereçado pela nobreza definiu as mudanças de significado da palavra vilão. Ora, para os beneficiados pela falsa justiça divina, os membros de uma certa nobreza, os moradores das vilas eram, ao mesmo tempo, plebeus e abjetos, desprezíveis, em nada se comparavam aos nobres, indignos e prezados aristocratas. Aliás, é de se ressaltar que o mesmo dicionário apresenta o vocábulo “abjeto” ao mesmo tempo como indigno e como antônimo de nobre. “abjeto também seria nojento, sujo, intragável.
Os anos se passaram e hoje em dia conseguimos enxergar “nobreza” (entre outros significados, “distinção, excelência, mérito”) com muito mais frequência entre os plebeus do que entre os aristocratas. Aliás, entre os membros da nobreza, abundam os que não possuem mérito algum. Sabemos que há muitos vilões (moradores de vilas, plebeus) nobres, distintos, que possuem muitos méritos, e que sobejam nobres vilões (pessoas abjetas, indignas, desprezíveis).
Coisa semelhante acontece com o termo vulgar – mais uma palavra com múltiplos significados – “maloqueiro”. Segundo o dicionário que tenho aqui ao lado, maloqueiro é quem vive em uma “maloca” (habitação de índios, esconderijo ou casa pobre, de favela), seja ela saudosa ou não, mas também é o indivíduo maltrapilho ou sem educação. O dicionário não diz, mas maloqueiro também poder o marginal, o punguista (trombadinha), o baderneiro. Por que associar a moradia do índio às casa humildes das favelas ou aos cortiços? E por que associar os moradores de casas humildes à má educação, ao crime, à desordem? Herança urbana e moderna da nobreza vilã, talvez.
Quando chamo alguém de vilão, não estou fazendo alusão à origem humilde de ninguém, não sou, necessariamente, preconceituoso. A maioria de nós não sabe qual a origem da palavra, nem quais são suas implicações sociais. Ninguém chama o outro de maloqueiro para fazer alusão à moradia humilde do cidadão. A sociedade muda, a língua muda junto: as palavras mudam de ideia, brincam de esconde-esconde com seus significados, nos ludibriam – mas de vez em quando nos lembram de coisas tão abjetas quanto o preconceito e a opressão.

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