quarta-feira, março 16, 2011

Praga Digital

Quando a tecnologia avança, a nossa vida fica mais prática. Mas isso apenas para pessoas práticas: para os outros, as conquistas da ciência servem apenas para empilharem preocupações e problemas novos.
Sábado passado fui a um casamento. Local lindíssimo, buffet elegante, clima amenamente agradável. Entretanto, algo, ainda na cerimônia, me irritou imensamente: o casal, que poupou bastante e pensou em tudo, contratou uma equipe com três fotógrafos e um cinegrafista, o que certamente era mais do que suficiente para que a cobertura do casamento estivesse a contento e que poucos detalhes escapassem; mesmo assim, um verdadeiro mar de câmeras digitais era sacada a cada segundo enquanto seus donos atravessavam, sem a menor cerimônia, a visão dos outros convidados, disputavam a cotoveladas espaço com os profissionais, bancavam o paparazzo amador.
A facilidade proporcionada pelas câmeras digitais, fáceis de carregar, que dispensam filme e até mesmo o papel, que permitem tirar milhares de fotos em pouco tempo e registrar a eternidade de momentos, colocou nas pessoas a falsa impressão de que todo mundo é fotógrafo, de que tudo ao nosso redor é tremendamente especial e de que é mais importante registrar do que viver. Alguns dos “fotógrafos” no tal casamento estavam tão ocupados fotografando, atrapalhando os profissionais – que estavam visivelmente incomodados, precisando pedir licença pra poderem trabalhar e apresentar algo que valesse o que receberam para entregar – que sequer compartilhavam a alegria do casal e ainda irritavam os demais convidados, que pouco puderam ver.
Todo o excesso banaliza. Quem sai imortalizando tudo, torna a imortalidade um tédio, pois não terá tempo nem espaço para guardar tanta foto, além de perder a noção do que realmente foi especial. Claro que um casamento de alguém querido é um momento importante e até merece que tiremos ALGUMAS fotos, fora as “oficiais”, que constarão no álbum do casal. No caso do casal do sábado passado, desejamos votos de eternidade matrimonial, e achamos mesmo que assim será, mas há casamentos que duram bem menos que o tempo que levaríamos para ver todas as fotos tiradas pelos convidados.
Outra coisa: mais importante que registrar o momento, é vivê-lo. Soube de um casamento em que um dos padrinhos entrou fotografando os convidados. Além de chamar a atenção para si, ofuscando os noivos, maculou as fotos do álbum de casamento e não aproveitou plenamente um evento tão legal quanto o de fazer parte da história de amor de um casal. Talvez, entre as dificuldades potencializadas pela tecnologia das fotos, apenas a vontade de aparecer em excesso seja mais irritante que a vontade de registrar tudo ao redor. A combinação das duas, que faz das pessoas eternos turistas da existência, é algo simplesmente insuportável.

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