quinta-feira, setembro 29, 2011

O grito de Clarice e a liberdade do capeta

Já avisava Clarice Lispector: há o direito ao grito. Já aconselhava o apóstolo Paulo: não use sua liberdade para dar lugar ao diabo.
Nem sempre o diabo é o ser das trevas, nem sempre gritar é necessário. Há o diabo de um grito vazio, expressando apenas um “olhem para mim, sou inteligente”, com uma cobertura bem esmaltada de malcriação.  De repente, vejo na internet levantar-se uma horda de gritalhões endiabrados, ora chutando cachorro morto, ora querendo falar mal de alguma personalidade com o intuito de parecer suficientemente descolado, suficientemente sábio. Dá sono e ligeira náusea.
Ninguém é obrigado a gostar dos cristãos, do aborto, do Chico Buarque, dos comunistas, do Marcos Bagno (muita gente nem sabe quem é), do Rock in Rio, da própria mãe, do capitão Nascimento, do Sol, dos dias nublados, de fantasiar-se de personagens de desenhos japoneses, dos homofóbicos, dos eutanásicos, do Reinaldo Azevedo, do Mainardi, de Machado de Assis, Paulo Leminski, de Los Hermanos, do diabo que a alguém carregue. O chato é usar o ataque agressivo, pueril, bullynico, para se afirmar, marcar território.
Não gostam de Chico Buarque, do Tiririca, de Schulman? Querem expressar o desgosto? Façam a partir de argumentos, não de xingamentos. Idem ibidem para tudo que exista no universo ou fora dele, do Google ao Bento XVI, passando por Neymar, a novela das nove, as gírias das ruas, os remédios genéricos, os políticos ou a escalação do Itacuruba.
Desdenhar de um comunista clássico nos dias de hoje é tão imbecil quanto vociferar contra a burguesia opressora. E paro por aqui, para não ser mais um gritalhão dos diabos a chutar cachorro que espuma rancor – que essa coisa deve ser contagiosa...

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