terça-feira, novembro 22, 2011

De Canudos para sala de aula

Te pego lá fora é Os Sertões das escolas estaduais de São Paulo

O conjunto de contos do primeiro livro de Rodrigo Ciríaco, Te pego lá fora – o escritor acaba de lançar 100 Mágoas, outra coletânea de contos – é um retrato sem retoques, mas muito bem-acabado, da rotina de uma escola – praticamente de qualquer escola – pública estadual em São Paulo. Os pontos de vista, que se alternam entre alunos, professores, funcionários de apoio e até de alguns narradores insólitos, vão desenhando o que é o ambiente escolar, ou o que os governantes fizeram pela educação brasileira.
No bom e no mau sentido, o que Ciríaco apresenta é uma tremenda guerra, na qual todos os envolvidos sempre estão a perder alguma coisa, ainda que de vez em quando alunos e professores vençam algumas batalhas.
Chama a atenção de cara o fato de que nesta coletânea, ninguém é descrito como um “coitadinho”, ninguém veste a carapuça de vítima. Ainda que muitos alunos e professores vivam em um ambiente sufocante e precisem conviver com a falta de material, de salário, de incentivo e principalmente de respeito por parte de quem é responsável pela situação das escolas – e o recado, no caso, é direto para o governo do estado de São Paulo, que praticamente não muda de mãos há quase trinta anos – há momentos de alegria, de criatividade e de resistência, quase sempre.
Ciríaco é das pessoas mais indicadas para escrever sobre o tema. Professor de História da rede pública já há algum tempo, ele conhece por dentro cada vão, cada pedaço de entulho da rotina nas escolas. Por outro lado, o escritor também é dos que miram nas possibilidades e está empenhado em construir algo que não seja apenas a própria aposentadoria, como infelizmente é o caso de muitos professores que, decepcionados com a própria escolha profissional, se confortam com o horizonte do final.
Contudo, Te pego lá fora não está empenhado em construir heróis. Há os professores mesquinhos e medíocres, os alunos envolvidos com o crime ou com com expectativas de mudarem de vida por outras vias, que não a do estudo. Ciríaco mostra, entretanto, que as rotas equivocadas dos alunos são consequência do abandono em que se encontram: o sonho de ser modelo – mesmo que não haja o que comer em casa – a droga, o crime, a bebida, o subemprego ou mesmo a rua como moradia e modo de subsistência, são as opções à escola, com sua falta de infraestrutura, professores racistas, funcionárias grosseiras, colegas opressores.
Para quem conhece o cotidiano das escolas estaduais paulistas, o livro não apresenta novidades de cenário e muitos personagens são logo identificados com um aluno, um professor, um colega, quando não com a gente mesmo! Mas o talento do escritor não deixa que os contos sejam apenas um desfile de clichês ou um rosário de lamentações, ainda que de vez em quando eles apareçam.
Te pego lá fora é um dos mais nobres representantes da literatura marginal periférica. Como tal, reproduz a fala da periferia e se dirige à periferia, sem buscar a bênção dos centros, seja da academia, seja do mercado, seja das páginas culturais da grande mídia. Mas, é preciso dizer, Rodrigo Ciríaco em alguns momentos transcende as características da literatura marginal periférica. Como qualquer escritor talentoso, ele vai além do movimento que integra.
As escolas públicas são nossa Canudos. No futuro, quando quiserem saber como eram as escolas públicas paulistas, como elas conseguiram resistir por tanto tempo aos ataques de indiferença e hipocrisia dos governantes, de onde, contra todas as adversidades, surgiram alguns grandes artistas, lerão Te pego lá fora.

Um comentário:

r.c. disse...

Salve, Pedro. Não consegui ler antes por conta dos problemas e correrias mas, agradecido e agraciado pelos comentários.
Abraço,

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