quarta-feira, maio 16, 2012

De Jesus a Hitler, passando por Stálin (ou Lênin, ou Trotsky, ou Marx...)


Recentemente, vi no facebook um cartaz que comparava – ou melhor, jogava no mesmo saco de farinha – nazistas e comunistas. O ponto de partida para essa relação eram os símbolos de cada movimento ideológico – a suástica de um lado, a foice o martelo de outro – e o de chegada eram os milhões de mortes atribuídas a cada uma dessas ideologias.
O responsável pelo cartaz era tão pueril quanto mal informado, e certamente mal-intencionado. A quantidade de mortes atribuídas aos nazistas era bem menor do que eles divulgavam – o cartaz levava em conta “apenas” as mortes de judeus, o que já é algo gigantesco, horrendo, trágico. Mas os nazistas mataram, direta ou indiretamente, muito mais gente; na verdade, todas as mortes da Segunda Guerra Mundial podem ser colocada na conta de Hitler e de seus liderados.
A ideia do autor do cartaz era acusar os comunistas e de pedir que eles fossem tratados do mesmo modo que os nazistas: como criminosos, inimigos da humanidade, irracionais, seres monstruosos e enganadores. Não é segredo para ninguém que entre os judeus há sim muita gente tão nazista quanto os que lutavam pela implantação do Terceiro Reich. Mas comunismo é a mesma coisa que nazismo?
Há um terceiro símbolo que pode entrar nesta discussão: a cruz. Ela também pode ser associada a genocídios, manipulação, opressão etc. Em um certo sentido, a cruz, de um lado, e a foice e o martelo, de outro, sofreram adulterações nas mensagens que representam. Cruz, foice e martelo são símbolos com a mesma carga destrutiva que a suástica? Há quem acredite piamente que sim, há quem isole um dos termos e ataque os outros, de acordo com a própria conveniência.
Começando pela suástica: ela não é uma invenção dos nazistas. Uma busca preguiçosa na Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Su%C3%A1stica já é suficiente para sabermos que ela é algo mais antigo e mais amplo. Contudo, não sejamos hipócritas ou falsamente intelectuais, é do conhecimento de todos que após a Segunda Guerra a suástica, especialmente o modelo defraudado pelos nazistas, está associado a grupos racistas e violentos, que desejam, por meio da brutalidade, se colocar em uma posição superior, no direito mesmo de exterminar os diferentes.
Dizendo de modo ainda mais claro: a essência do nazismo está no fato de alguns grupos se considerarem etnicamente – o que também caberia dizer “divinamente” – superiores aos demais, a ponto de poderem dispor das vidas consideradas inferiores como bem entenderem, especialmente com tortura, escravidão e aniquilamento.
Á a foice e o martelo – outra busca preguiçosa é suficiente para confirmar http://pt.wikipedia.org/wiki/Foice_e_martelo  – representa a união dos trabalhadores do campo e da indústria. A ideia, em sua essência, não tem nada de negativa; na verdade, trata-se de um desejo bastante nobre. Se houve ou há um grupo de socialistas, ou comunistas, com o mesmo espírito de ódio dos nazistas, ou se usaram essa bandeira para encobrir um bilioso desejo de aniquilar o diferente, a conversa é outra.
A cruz – mais uma vez cedemos à preguiça http://pt.wikipedia.org/wiki/Cruz – é um símbolo muito representativo para os cristãos. Instrumento de morte humilhante durante o Império Romano, tornou-se o símbolo da morte e ressurreição de Cristo. O que antes estava associado direta e inseparavelmente à morte, para os cristãos, tornou-se símbolo de graça e misericórdia, de esperança. Os genocídios, as cruzadas, a Inquisição, a Contrarreforma, nada disso está no plano inicial do cristianismo. Mais uma vez um símbolo e uma ideologia, no caso pelo viés da religião, foram distorcidos para justificar a ebulição de alguns demônios particulares.
Então, se a suástica, a foice e o martelo e a cruz não simbolizam ideias que foram usadas como desculpa para que fome, sofrimento, escravidão, tortura, humilhação, e mortes, muitas mortes se espalhassem pela terra, nos parece claro que somente no caso do nazismo tudo isso era uma meta desde o princípio. Não é justo atribuir a todo comunista o título de desumano, violento, “nazista vermelho” ou coisa do tipo. Stálin fez o que fez na União Soviética não por causa de uma ideologia, mas por uma sede enorme de poder, por uma visão distorcida de si mesmo. Todas as atrocidades cometidas por cristãos nas Américas, quando o genocídio era a política diplomática dos primeiros invasores, e no resto do mundo não fazem parte dos princípios pregados por Jesus – e todo mundo sabe disso; o problema é que alguns preferem espertamente escamotear esse fato.
Entre comunistas e cristãos há um enorme contingente de pessoas ingênuas, pouco informadas e facilmente manipuláveis, que acabam trabalhando por propósitos escusos. Entre os nazistas, também. Entre cristãos e comunistas, há muitos canalhas que manipulam a essência desses movimentos para enriquecerem ilicitamente e para colocarem em prática o que há de mais podre dentro deles. No nazismo, aí está a diferença, os princípios não precisam ser manipulados para que o ódio grasse. Na verdade, o ódio é a essência do nazismo, e é justamente ele quem precisa ser camuflado em forma de “justiça” e de “mérito”.
Sou cristão e me considero socialista – naquele sentido de que todos somos iguais e devemos ter os mesmos direitos e oportunidades. Não faço coro de pessoas como o apostolão Santiago, Silas Malafaia, a família Renascer, e nem de cidadãos como o Ricardo Gondim – este não é um picareta, mas creio em um cristianismo diferente do dele. Não fui feito da mesma mandioca de Torquemada, por exemplo. Não aprovo a falta de democracia em Cuba ou na China, onde dos antigos e ditatoriais regimes comunistas, parece, só sobrou a perseguição implacável. Creio que, se a religião, como as novelas, os realities shows e o futebol pode ser mesmo o ópio do povo – vide alguns opiários citados acima – no meu caso a religião, aquela pregada por Jesus, me abriu as portas para um novo jeito de viver e de perceber. Por isso, não me envergonho da cruz, e não deixo de ver a beleza na foice e no martelo – ainda que os símbolos estejam meio anacrônicos e que muitos líderes os tenham deturpado. E é por isso tudo que senti aguda necessidade de manifestar meu repúdio à comparação esdrúxula que fizeram entre comunismo, uma ideologia sujeita no tempo a desgastes e pilantragens, e nazismo, um dos maiores tumores que a sociedade já foi capaz de produzir.

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