quinta-feira, julho 12, 2012

Granta e o mimimi




Agora que a Granta brasileira já lançou seu número com jovens escritores locais, o ideal seria comentarmos apenas os contos, os selecionados – acho que pega melhor dizer selecionado, em vez de escolhido – as novidades, tendências e estilos. Mas a literatura e seu entorno não é feita apenas de ideias, mas de choro, ranger de dentes, diletantismo e perdigotos.
Eu, como muitos autores com menos de quarenta anos que já publicou alguma coisinha, enviei material para análise e, obviamente, não fui es... selecionado – começo a ter dúvidas com o selecionado também, parece coisa de fruta da estação. Achei normal, em uma profusão de textos para serem lidos, com tantos autores talentosos, alinhados ou não com o que a Granta procurava, estou certo de que gente boa e gente ruim ficou de fora da lista final – eram cerca de 12.35 candidatos por vaga, proporção de vestibular da FUVEST!
O que eu não esperava ver, após o lançamento da revista, na FLIP – parafraseando Lobão e sua visão do inferno, a FLIP não existe para quem não esteve lá – era ver tanta reclamação, tanto mimimi, tanta lenga-lenga quanto a que se viu em blogs como o da Raquel Cozer. Ora, todo jogo tem suas regras, que os participantes sempre aceitam, ainda que não concordem, antes de entrar na partida. Ficar depois levantando suspeita sobre a idoneidade dada Granta, que não promoveu nenhum concurso público, é sinal de, no mínimo, deselegância. Viraram todos raposas a desdenhar as suculentas uvas verde-amarelas?
Sabemos da importância de fazer parte de uma coletânea como a Granta. Ela pode abrir portas no exterior e aqui dentro também. Mas um autor ruim que eventualmente faça parte da revista – ainda não li nadinha e não conheço todos de antemão; sei há gente talentosa entre os escolhidos, selecionados ou eleitos, tanto faz – ele continuará ruim, pois a revista não é, que eu saiba, milagrosa. E ninguém está condenado para a literatura porque foi preterido pela Granta ou por qualquer outro concurso que exista no mundo.
Se chamou a atenção o fato de alguns dos autores da Granta trabalharem na imprensa e em editoras conhecidas, ainda que uma ou outra cambaleie do ponto de vista comercial, deveria chamar ainda mais a atenção que os novos escritores fossem participantes de realities shows, políticos ou pastores de igrejas neopentecostais, ou seja, oriundas de classes profissionais que, grosso modo, não lê ficção. A proporção alta de funcionários de certas editoras na lista final indica, talvez, uma tendência, um estilo da preferência dos jurados, e não, necessariamente, uma panelinha – e, cá pra nós, se houve essa panelinha, azar o nosso. A literatura é muito vasta e qualquer jurado de concurso já chega com suas opções estabelecidas; se não houve num concorrente capaz de fazer o jurado mudar e ideia...
A nós, que não entramos na Granta, restam algumas opções:
a)      parar de escrever (torço para que muitos façam esta escolha, de coração);
b)      juntar forças e lançar um outro veículo que faça frente com a Granta – talvez demore algumas décadas para alcançarem o prestígio da rival;
c)       continuar escrevendo, sem colocar qualquer tipo de concurso ou edital na frente de sua obra.
Não quero desdenhar dos concursos e editais. Sei da importância deles, que ajudam muita gente. Acho mesmo que o governo, por exemplo, deveria promover muito mais iniciativas que lançassem e bancassem escritores. Mas estou certo de que a literatura pode até sobreviver sem concursos, editais, com panelinhas e até mesmo com editoras que viram as costas para muita gente boa, mas ela não vive sem escritores talentosos que se dedicam a produzir uma obra. E outra: a maior parte do que escrevemos, quer queiramos ou não, vai acabar sendo esquecido até por nós mesmos, quem dirá pelos nossos contemporâneos e, pior ainda, pelos que vierem depois de nós. Isso pode funcionar como uma vingança muuuito tardia, a depender de sua capacidade de guardar rancor. Querem uma prova?
A Baroneza de amor, Ouro Sobre Azul, Gabriella (não é a do Jorge Amado, a de cravo e canela), Doutor Benignus, Má estrella e Virgem da tapera já estiveram entre os melhores romances de todos os tempos! Essa lista foi tirada do livro da Márcia Abreu, Cultura letrada – literatura e leitura.

Quando a amizade acaba?



É certo que existem amizades que podem superar coisas aparentemente inconciliáveis. Hoje, na escola, presenciei algo que vinte anos atrás seria bem pouco provável e, na verdade, atualmente, entre adolescentes, bastante difícil de acontecer: dois colegas de classe, aspirantes a cantores, um de pagode, outro de rock, ao ouvirem a minha sugestão de futuramente gravarem um disco que misturasse os dois estilos – algo dito de brincadeira, pois não aguento mais essas antropofagias sincréticas mercadológicas – não fizeram cara de nojo ou espanto; na verdade, acharam algo interessante, ainda que pouco viável.
Amizades nascem de afinidades, lógico, mas não precisam segregar os diferentes. Meus melhores amigos da adolescência gostavam do mesmo estilo de música que eu; os dos tempos de faculdade, dos mesmos escritores, outros catados por aí, tinham afinidades ideológicas, e muitos não têm quase nada em comum, tirando o fato de compartilharmos a mesma fé.
Na verdade, eu sempre fui alguém deslocado: na família católica, era o “bode protestante”; na igreja batista, o “roqueiro socialista”; entre os parceiros de música, o “crente que curtia MPB”; na faculdade, o “tonto religioso de direita”, por não apoiar partidecos bolcheviques e assembleias estudantis mais viciadas que roleta de cassino clandestino. E em todos esses lugares convivi com pessoas admiráveis, mantive amigos, alguns perdidos, outros distantes, outros sempre por perto.
Se é possível construir amizades entre pessoas tão diferentes, também é possível sufocá-las até mirrarem. Não pergunto sobre as obviedades, traição, dinheiro, mulher. Nesses casos, muitas amizades não eram sinceras, outras, de tão verdadeiras, com uma boa dose de perdão e tempo, podem reflorescer. Não falo da distância física, que até pode alargar os relacionamentos, mas todo mundo tem aquele amigo que não vê há muito tempo e num simples restabelece a intimidade o afeto escondido debaixo da poeira das obrigações. Então, o que pode gerar um rompimento?
A amizade sempre gravita em torno de um ponto de afinidade. Aquele meu amigo ex-malufista, corintiano, admirador de regimes totalitários, chegado a formas militares de administração, frequentava a mesma igreja que eu. Posso dizer, com medo de parecer piegas, que Jesus nos unia. Mas seria só Jesus, o que para nós não é pouco, se eu, na convivência com ele, não visse ali um cara que busca sempre a justiça, que é solidário, humilde de verdade, generoso, responsável, verdadeiro, divertido, afável. E essas qualidades foram, com o tempo, ocupando espaços em minha vida, a ponto de ele ser mais próximo e querido por mim do que muitos outros com menos “defeitos” – sei que as aspas são desnecessárias, estão aqui para fazer média.
Aí eu penso, se esse meu amigo, de repente, perdesse a generosidade e virasse um cara mesquinho, arrogante, soberbo? Aí, o ponto de afinidade ainda nos uniria, embora nossas relações esfriassem significativamente. Se, além dessas mudanças todas um de nós deixasse a fé, é provável que a amizade terminasse – embora, eu deva dizer, não sei o que esse cara viu em mim para que fôssemos amigos.
Então a amizade acaba quando as pessoas mudam, seguem trajetórias diferentes, quando um passa a desprezar, ou odiar, aquilo que o outro ainda admira, caso não tenham surgido outros pontos de contato. Quando os rumos divergem, a lembrança dos bons momentos vividos pode sustentar a relação, mas ela será cada vez mais frágil. Caso a admiração, ou a gratidão, coisas comuns entre amigos, se esfacele, fica, no máximo, a obrigação e o respeito de protocolo, que é a morte de qualquer amizade, mais letal que a traição, eu acho.
Tenho observado amizades que passam por períodos críticos. Uma frustração – “achei que poderia contar com aquela pessoa nesse momento tão difícil” – a perda do ponto de contato – “antes a gente pirava naquele autor, agora o cara diz que só os ingênuos podem gostar daquela porcaria” – o cultivo do rancor, que é o cupim dos relacionamentos. Também percebo que a ausência indiferente pode corroer.
Mas, acredito, por fácil que seja ver uma amizade se desmanchar igual chocolate fino em língua de criança, o perdão é o melhor desfibrilador. A saudade também pode ajudar muito nesses casos. Se não pode haver perdão, se não existe saudade, será que um dia houve mesmo amizade?

Piza e a direita elegante


Soube da morte do jornalista Daniel Piza apenas uma semana depois do ocorrido. Não exagero ao dizer que fiquei estarrecido.
Não posso dizer que era um fã, nem mesmo um grande leitor de Piza. Na verdade, já fazia algum tempo que não conseguia ler seus artigos, seja porque tratavam de assuntos que não me interessavam, seja porque eu sempre ficava na dúvida se o autor era um grande conhecedor do tema ou um enorme picareta.
Aliás, já vinha notando em Piza dois defeitos significativos: uma arrogância latente, que lhe fazia desmerecer qualquer um que não comungasse com suas ideias elitistas – no pior sentido do termo – e suas técnicas de fazer supor que era o maior leitor das galáxias e o maior entendedor de todos os assuntos possíveis. Muita gente embarcou nessa, mas não eram poucos os que preferiam simplesmente ignorá-lo, o que, devo dizer, não era justo; o jornalista conquistou espaço significativo na cultura nacional.
Eu seria muito injusto se não levasse em conta as qualidades de Daniel Piza. Se é claro que lamentaria a morte fora de qualquer ser vivo, não me daria ao trabalho de escrever nada sobre os que não deram contribuição alguma a minha existência. Houve um período em que lia Piza por concordar com muitas coisas que ele escrevia; há mesmo uma frase dele com a qual faço coro constante, inclusive a parafraseando sempre que acho necessário: “a leitura não é um fim em si mesma, não tem valor por si só; ela precisa ser direcionada para algo que realmente valha a pena”. Traduzindo: a frase “pelo menos ele lê” é tola, pois ler o oco não contribui para a formação intelectual, social, humana de ninguém.
Daniel Piza foi o responsável por uma árdua biografia de Machado de Assis, de quem era leitor voraz e participou da adaptação de Luiz Fernando Carvalho para a Rede Globo, um dos trabalhos, na minha opinião, mais audaciosos e marcantes para a televisão dos últimos anos. Embora eu acredite que Machado tenha nome envolvido em justificativas intelectualoides para desmandos e elitizações baratas, vejo Piza como um grande leitor do Bruxo, habilidoso, inclusive, para tentar colá-lo a uma “tradição conservadora” na política nacional, sendo que esta classe era particularmente alfinetada pelo autor das Memórias Póstumas e do conto Teoria do Medalhão.
Quando falava de economia, Daniel Piza parecia mais um escrevente do tucanato, mas como citava e recitava mantras que ecoavam como a única verdade possível, muita gente embarcava, enquanto outros o execravam. Quando tateava na crítica literária, o fazia sempre agarrado a algum crítico de renome que não fosse de esquerda, mas sempre com desenvoltura. Se dava até ao trabalho – ou à cara de pau? – de fazer listas de “melhores  ano” sobre praticamente tudo, e ainda se infiltrava entre os jornalistas esportivos, na rádio, na televisão e com mais uma coluna no jornal.
Tudo isso, que muitas vezes soava como o reflexo de um ego maior que o seu talento, e que tantas críticas gerou – suas incursões na literatura, na poesia e na prosa, nunca tiveram outra função além de provocar o riso nos desafetos e engordar o próprio currículo, sendo que entre seus títulos encontramos o chavão “Noites Urbanas” – serviram para que Daniel Piza nos servisse como uma espécie de amigo chato, com quem gostamos de conversar justamente para discordar dele, mas do qual não conseguimos nos afastar por muito tempo. Como o cara gostava de escrever sobre praticamente tudo, vivia em uma ansiedade e com um ímpeto de produtividade realmente admiráveis, seus artigos, ainda que fosse rasos, mas decorados com plumas acadêmicas, tinham a função de nos fazer pensar e jogar conversa fora quando abríamos o jornal, especialmente nos domingos pela manhã.
Daniel morreu prematuramente, e tenho a sensação de que ele ainda buscava sua grande obra, seu grande legado. Com espaço privilegiado na imprensa e na televisão – e muito bem relacionado, só pode – experimentava a cada texto, buscando, me parece, a sua verdadeira vocação, além de ser um leitor guloso – mas com menos aproveitamento do que gostava de nos fazer crer – e estudante aplicado. Era tradicional e elitista, o que há aos montes na imprensa brasileira, mas esbravejava muito menos que seus pares, tinha algo que está em falta entre as viúvas de Higienópolis, como Jabor, Azevedo e Mainardi: elegância. Seus textos, quando não tentava fazer literatura, eram ágeis, agradáveis de serem lidos, mesmo que carregados de meias verdades e abastecidos com gordas doses de empáfia. É estranho, é cafona e soa falso, mas tenho sentido a falta de Piza.

segunda-feira, julho 09, 2012

Adeus Lênin, adeus Ganso



A primeira parte do título acima faz referência ao filme alemão de 2003, do diretor Wolfgang Becker. Nele, a mãe do protagonista, defensora árdua do regime ditatorial da Alemanha Oriental entra em coma justamente durante o período da queda do muro de Berlim. Como ela não pode passar por emoções fortes, sua família, em especial seu filho, fazem de tudo para esconder dela que os comunistas, apoiados pela já em processo de decomposição URSS, já caíram do poder.
Aquele socialismo, implantado por ditadores que prometeram igualdade e liberdade e entregaram burocracia, perseguição e apenas distribuíram mediocridade, foi tarde, sem cumprir as falácias que derramou sobre o povo. Ganso, que, tudo indica, está de saída do Santos, não fez pouco pelo Santos, mas tem se esforçado para sair pela porta dos fundos do clube. Está muito perto disso.
O jogador fez partidas antológicas pelo time da Vila, conquistou três estaduais, uma Copa do Brasil e uma Libertadores, ao lado de Neymar e companhia, mas em alguns momentos importantes, por contusão ou má vontade – agora já nem é possível saber – deixou muito a desejar. Suas apresentações contra o Corinthians, nas semifinais da Libertadores, foram pouco menos que frustrantes, como já havia acontecido contra o Vellez nas quartas de final do mesmo campeonato. Seu baixo rendimento, somado à sua crônica insatisfação com os rendimentos que o Santos lhe oferecia, deixaram a diretoria do clube irritada e os torcedores desconfiados. Não podemos ser ingratos com o meia mais talentoso da atualidade, tampouco devemos fechar os olhos para o fato de que ele não vem jogando, não vem se empenhando como deveria, na certa por acreditar que deveria estar em outro lugar, ganhando mais.
Vale lembrar que na seleção, até agora, Paulo Henrique Ganso ainda não justificou sua fama de craque. Que Giovanni, o craque e ídolo do Santos que o levou até o alvinegro praiano, rompeu com o meia problemático, sugerindo que o caráter do jovem jogador passa por uma crise de instabilidade.
O que podemos dizer ao Ganso? Obrigado pelas alegrias proporcionadas, sinta-se perdoado pelas partidas ridículas que jogou e boa sorte em seu novo clube. Eu, particularmente, se fosse dirigente de qualquer clube brasileiro, não perderia meu tempo negociando com esse atleta, pois está na cara que qualquer parada dele por essas terras não passará de uma simples escala para clubes europeus – onde ele também poderá passar a vida insatisfeito, achando que deveria estar em outro lugar. E ainda há as contusões constantes, por falta de sorte ou por ser relapso, já não podemos afirmar nada sobre Ganso.
Assim como as estátuas de Lênin que foram removidas da antiga Alemanha Oriental, o jogador está se esforçando para ser um grande estorvo, sem ponto de chegada definido. Que ele acorde antes que seja tarde, antes de virar mais uma promessa que não se cumpriu.
O que nos alivia é saber que Ganso, ao contrário de Lênin, Stálin e toda as canhestrice comunista alemã, se não cumprir o que prometeu, ao menos não será responsável por mortes, famílias separadas e regimes ditatoriais.

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