sexta-feira, maio 03, 2013

Itamar Assumpção: o genial genioso



Vendo o documentário Daquele Instante em Diante, de vez em quando um pedaço de alguma letra do Itamar Assumpção me rasgava a alma a golpes de chibata benta, com ardores de salmoura doce. Nossa música popular produz lixo, produz populachos de massa, produz gênios de elegância suprema e acima de todos semeou Itamar Assumpção, estrela ascendente, divinal terrestre, moleque saci que deslizou sobre o Tietê, sempre na contracorrente.
Gênio difícil, esse Itamar. Sua arte, embora deliciosa, não era de fácil digestão. Claro que valia qualquer esforço, qualquer empenho para desfrutarmos daquele talento sem par; mas também é preciso dizer que nem tudo eram dificuldades e pensamentos profundos; quanta singeleza, quanta brincadeira, quanta brisa as canções do Nego Dito escondiam, escancaravam, brutalmente lapidadas.
Gênio difícil, o desse Itamar. O documentário nos mostra um homem ciente da grandeza de seu talento, indignado com a obscuridade que lhe impuseram, com o silêncio e a distância de seus pares da música brasileira, que o conheciam, claro, mas não lhe estendiam a mão. Zélia Duncan e Cássia Eller foram as exceções que honraram Itamar, gravando o artista, Zélia ainda mais próxima do compositor, amiga sincera que lançou há pouco um disco apenas com canções dele, o Daquele Instante em Diante.
O silêncio, a distância, me parece não terem arrefecido a potência criativa de Itamar. Mas ele não suportava franciscanamente ser ignorado, antes sofria o desprezo que lhe dedicavam. Segundo algumas pessoas próximas a ele, não ver a carreira decolar como deveria foi o deixando doente, lhe fazendo mal. Assistindo ao filme, fiquei com a impressão de que Itamar Assumpção era rancoroso. Como não o conheci pessoalmente, sei que a impressão pode não ter pé algum na realidade. Como costumo ficar hipnotizado pelas suas canções, afirmo que um homem com a explosão de criatividade e a límpida consciência de seu potencial tem todo o direito de bradar, de reclamar, de angustiar-se com o tratamento que a mídia e os artistas, o que é ainda mais triste, lhe dedicaram.
Itamar Assumpção é um dos maiores compositores da história do Brasil. Sem entrar na lenga-lenga sobre sertanejo universitário, pagode trelelê vocaloide e outros arrotos que contaminam o "solo sagrado da música brasileira" − a sacralidade da arte vira bibelô quando se leva a sério demais − causa certa revolta contida o fato de que quase todos os medalhões da MPB não reverenciem o genial e genioso Itamar. Se havia entre suas canções iguarias de difícil digestão, também sobravam bom humor e aperitivos de fácil degustação, e o povo, que sabe o que quer, mas também quer o que não sabe, como diria o ex-ministro Gil, abraçaria Itamar, caso lhes fosse devidamente apresentado.
Enquanto o mundo ignorava sua própria tristeza por não conhecer a maravilha das canções de Itamar, o mestre − que a exemplo do que ele próprio escreveu sobre Naná Vasconcelos, ensinava "sem pretensão de ensinar" − seguia compondo, angustiando-se, entristecendo-se, irritando-se, sempre rigoroso, sempre nas contramãos conscientes, sem criar falsas polêmicas para figurar entre os "rebeldes", como fazem os cordeiros com pele de lobo adquirida em butique chique, dessas que figuram entre a Pompeia e o Leblon.

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