terça-feira, julho 23, 2013

Asa Branca de luto


Dominguinhos manejava a sanfona de um jeito tão tocante que doía na gente, tamanha a beleza de suas composições, de suas interpretações. Por isso estamos tão tristes.
Parte de uma tradição da música brasileira que vem sendo aos pouquinhos dilacerada e esquecida, aquela cujos artistas têm o que dizer, com seu jeito bonachão, Dominguinhos construiu, sem um pingo de afetação, sem o pedantismo que infecta quase todos os "pensantes" brasileiros, uma obra popular elevadíssima.
Único herdeiro musical de Luiz Gonzaga, mas sem nunca querer ocupar o lugar de rei ou príncipe do baião, sempre generoso com os artistas que o sucederam, sem discriminar sequer os embusteiros do chamado forró universitário, aquele forró sem raiz nem seiva, Dominguinhos contribuiu para o cancioneiro nacional com algumas das canções mais tocantes que eu conheço, dessas que ao ouvir, o cabra pode até ser valente, mas chora.
Onde ele buscava aquelas notas, como aprendeu a combiná-las em acordes, melodias, arranjos tão especiais? Acho que é da própria terra onde ele nasceu. Sim, porque o Nordeste não dá ao mundo apenas coronéis, políticos corruptos e homens endurecidos pela seca e pela violência que recebem de patrões e do governo: também gera filhos de sensibilidade e humor refinadíssimos. Tenho muitos parentes que, sem ter o talento de Dominguinhos, que esse é único, são tão bonachões e bem-humorados quanto o eterno Neném, apelido de família e como Dominguinhos era chamado por Luiz Gonzaga. Acho que também vem de sua criação e história pessoal o dom de falar da saudade com tanta poesia, seja no timbre da voz, seja no resfolego da sanfona.
No fim da vida, Dominguinhos sofreu muito, por causa de uma doença cruel − a prova de que a morte não respeita os homens bons. Muitas foram as orações, as promessas e súplicas para que ele se recuperasse − prova de que nem sempre conseguimos concordar com Deus.
Pra completar a tristeza, hoje o frio está mórbido em São Paulo. E não há fogueira de São João que possa nos aquecer ou consolar. O que nos resta, sem consolar, é lamentar. Dominguinhos: é duro ficar sem você.

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