segunda-feira, dezembro 16, 2013

Natal

Da presepada ao presépio

Natal é irmão gêmeo da guerra
"Gera empregos, aumenta a produção"
É antitrégua
Corrida vazia, altar da mercadoria
Natal é gula e fartura
Sede evidente de cada vez mais gordura
Queima gasolina em uma pressa sem cura
Natal é festa de máscaras e maquiagem
Protocolos de alegrias com data e hora marcada
Concentra nas ceias pílulas de solidão
Natal é festa pagã
Presépios de feltro e fezes
Adornam toda tristeza
"Num mundo de sonho e magia"

Dentro dos corações de luto
Sobre as almas castigadas
No estábulo fedorento
Na manjedoura abandonada
Entre todos os venenos
Onde abunda ou falta dinheiro
Quem sabe onde anda esse Cristo, o menino
O que ele nos dá, entregue, frágil, desde sempre sozinho
Por que veio até nós, nossos próprios deuses
O que fizemos dele, da própria glória o despimos
De onde vem sua fé em nós, pecadores contínuos?

O que faz desse menino o Cristo
É ver em cada um de nós
O bebê da manjedoura, desprotegido
Nu, com frio e sozinho
Visitado por animais
E pastores esquecidos
Ao lado dos pais, igualmente perdidos

O que faz desse menino o Cristo
É derramar sobre a humanidade

Um amor que a tudo torna um pouco divino.

domingo, dezembro 08, 2013

Mandela


A lição que ninguém aprendeu

Talvez surjam pessoas dizendo que Nelson Mandela (1918-2013) não foi nenhum pacifista, que sob seu comando a África do Sul caiu em uma crise econômica profunda, que seu esforço para superar o apartheid não passou de uma estratégia para atrair investidores e nada mais. Lembrarão de seu passado (a partir de agora, tudo que falarem de Mandela será passado?) de guerrilheiro, falarão de sua amizade "suspeita" com Fidel Castro e outros ditadores.
Mas a verdade é que bem antes de morrer Mandela já virara um ícone, uma unanimidade. Mais provável mesmo é que Mandela seja decididamente uma unanimidade e, como acontece com as unanimidades, muitas vezes mal-interpretado.
O maior legado de Mandela, ao seu país e ao mundo, foi a lição suprema do perdão. Lição difícil, aprendida e acalentada durante 27 anos de prisão, sob trabalhos forçados. O maior crime cometido por Mandela, e por tantos outros daquele país, não foram atos de terrorismo, não foi a corrupção, não foi sequestro seguido de morte, tráfico de drogas ou de influência: foi não aceitar um sistema político que separava o povo entre brancos privilegiados e negros excluídos, foi acreditar na igualdade, foi lutar pelos seus pares.
No Brasil, não é fácil para nós entender o que foi o apartheid, pois por aqui o racismo é velado e cínico. Mesmo assim, a imensa maioria vê Mandela como herói. Muitos lamentaram e lamentarão sua morte, no entanto, poucos seguirão seu ensinamento. Perdão é palavra fora de moda, o que é bem compreensível, pois o excesso de impunidade sufoca as possibilidades para o perdão. Quando criminosos e malfeitores riem da nossa cara, falar em perdão vira afronta. O que as pessoas querem, o tempo todo, nas formas mais violentas e degradantes possíveis, é a vingança.
Mas o perdão não é apenas um ato de nobreza e abnegação. Não é um atestado de santidade ou fraqueza. O perdão pode ser uma estratégia política, pode ser um passo importante para uma sociedade construir um futuro mais próspero, livre de revanchismo. Enquanto Mandela buscou o diálogo com quem o prendeu e humilhou, impediu que o rancor se tornasse política de estado, ainda que tivesse todos os motivos para devolver aos defensores e beneficiários do apartheid ao menos um pouco do sofrimento que essa política repugnante impôs à maioria negra sul-africana.

É pena que atualmente, ao menos no Brasil, perdão seja uma ideia sem sentido, é lamentável que após tantos anos de impunidade, perdão seja quase sinônimo de injustiça, e que justiça se confunda com vingança. Mandela entrará para a história como um homem admirável − até quando, não sabemos − mas a sua maior lição ainda não foi aprendida.

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