Antonio Prata, em mais uma crônica magistral, disse que a
Copa do Mundo é uma espécie de "salvo conduto para a vagabundagem".
As pessoas adoecem estranhamente nas horas do jogos mais importantes,
procrastinam compromissos para ver os menos interessantes. Acho que o fenômeno
é ainda mais profundo.
Nos lares onde as mulheres não são tão chegadas a futebol,
se preocupando apenas com os jogos da seleção brasileira, tenho observado que a
Copa do Mundo, especialmente essa, no Brasil, é uma espécie de licença
temporária para o machismo. Como todos os jogos viraram promessa de grandes
partidas, nós, que amamos futebol e ainda mais Copas do Mundo, nos estampamos
no sofá e deixamos tudo que não tenha bola, hinos nacionais e chuteiras
coloridas para depois. Como nos imaginamos diante de homens poderosos que
decidirão em uma palavra, ou drible, o futuro do universo, e sentimos, com
nossas compulsões e superstições, que também participamos diretamente aquilo,
nos sentimos muito à vontade para pedirmos uma série de "favores"
que, em outros momentos, soarão exagerados, de mau gosto, preguiçosos e,
finalmente, machistas.
Um petisco, uma bebida, almoço e janta na mão, na cama,
coloca o lixo pra fora, lavar a louça e a roupa e, em casos mais patológicos,
até banho de esponja e passar fio dental são solicitações feitas sem a menor
cerimônia. Se a esposa ou namorada reclamar, se disser que não vê lógica nesse
comportamento patológico, você dirá, com restos de salgadinho e biscoito
recheado colados na barba por fazer, que ela "não entende dessas
coisas", o que poderá soar, muitas vezes com mundos e fundos de verdade,
que esse envolvimento com o futebol é "coisa de homem".
Sim, é verdade que as
coisas vêm mudando muito, que são vários os homens que preferem filmes e livros
a futebol, e são várias as mulheres que entendem e praticam o futebol com muito
mais amor e conhecimento que qualquer perna de pau barbado. Mas os casais que
mantêm um perfil mais clássico sobre o futebol, podem sofrer com machismo
enrustido liberado pelo "estado de Copa". Se eu disser que esse
machismo ocasional é inofensivo, falo em causa própria e as feministas me
odiarão. Se disser que isso é a prova de que estamos em um momento cínico que
comprova a manutenção dos maus hábitos machistas, creio que exagero.
Creio haver saídas para a paz familiar. No último domingo,
por exemplo, incentivei ardorosamente que meu cônjuge fosse ao show dos Titãs
no SESC Interlagos, na companhia da minha distinta cunhada, enquanto eu e o
namorado da minha sobrinha nos refestelávamos com um dos jogos mais divertidos
da Copa: Argélia e Coreia do Sul. Foram seis gols, algumas belas jogadas.
Depois as duas foram felizes e aliviadas por não precisarem ver nem Argélia e
Coreia do Sul nem Portugal e Estados Unidos, um jogo cheio de emoções − para
quem vê alguma emoção em jogos sem a presença da seleção brasileira.
Hoje, após esse jogo com muita emoção e pouco futebol entre
Uruguai e Itália, vou lavar uma locinha, passar o aspirador e fazer um arroz.
Quando meu cônjuge chegar do trabalho, vai poder tomar um banho, beber alguma
coisa refestelada no sofá e assistir, relaxada e feliz, a algum seriado; ou,
como forma de agradecimento, assistir a algumas mesas redondas comigo, afinal
os tempos são outros…
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