quinta-feira, maio 08, 2014

Só monstros caçam bruxas

Não há o que ser dito. Não é justo colocar na conta da Sheherazade, do Datena, do Rezende, do Ratinho, do Azevedo, do Mainardi, do Pondé, do Olavo. Todos eles são meros espelhos, com algum verniz de hipocrisia, que nos refletem.
Nossos espelhos precisam de filtros porque não suportamos nos ver crus e nus. No fundo, sabemos que somos deploráveis, mesquinhos, racistas, egoístas, violentos. No fundo, percebemos, farejamos a própria fragilidade. Por isso tentamos a todo custo escondê-la sob a cor da pele, dentro de uma roupa de grife, no porta-luvas de um carro de luxo. Tentamos sufocá-la no meio dos "livros cultos" que lemos, a emplastamos em uma sabedoria rasa e ralé, a emperequetamos com maquiagens, plásticas, tinturas. Nos embotamos de mentiras históricas, nos banhamos na lógica fascista do mercado espremedor de talentos, vontades e identidades. Vendemos barato nossa pouca polpa e logo viramos bagaço.
Talvez nem haja o que fazer. Não deve ser culpa da desinformação; esta grassava nos tempos medievais, nas catacumbas da antiguidade, na superstição dos ingênuos. Embora haja muito papagaio repetidor, tem muto monstro letrado e encanudado por aí. A direita, a esquerda, a internet, a fragilidade da democracia, os coturnos ensanguentados das ditaduras, tudo não passa de pretexto. Tudo que existe é ódio. E medo.
Quando crescem demais, o ódio e o medo se tornam autônomos: se retroalimentam, se impõem e precisam apenas explodir, saciar a própria fúria, à custa de qualquer motivo, de qualquer pretexto. Caçadores de diferenças, mesmo que mínimas ou fruto de mero delírio. Caçadores de bruxas - agora, literalmente.
Como disse Sergio Vaz, "voltamos à época medieval porque temos medo do futuro". Mas da Idade Média só buscamos o medo irracional, o ódio disfarçado de conhecimento, a histeria coletiva. Já o futuro, se não for muito bom pra mim, se não reservar um lugar especial para os meus, não serve, melhor voltar, para as trevas, já que a luz expõe meu caráter minúsculo. Deixamos pra trás qualquer rastro de bom-senso, de conhecimento. Cansamos de fingir que evoluímos, talhamos o próprio ventre para exibir nossas tripas. Para essa geração, voltar à Idade da Pedra vai ser a maior conquista.

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