Não saberia dizer qual das fábulas de Esopo é a mais famosa.
Certamente, a mais criticada nos últimos anos é justamente A cigarra e a formiga. As pessoas reclamam do preconceito de Esopo,
e também de La Fontaine, contra as artes e os prazeres da vida.
Apesar de ser alguém apegado às artes e aos prazeres da vida
muito mais que ao trabalho, creio que o comportamento da cigarra merece alguma censura,
que a formiga tem direito a sua cota de aplausos. Afinal de contas, tudo tem a
sua hora, e se a cigarra só pensa em cantar, não reclame das necessidades que
passará com a chegada do inverno; quem se prepara com diligência e esforço realmente
estará protegido contra infortúnios.
Há também um outro ponto que merece atenção. O canto da
cigarra, desde que você não seja uma cigarra fêmea desfrutável, é extremamente
desagradável. É incômodo, desafinado. Estridente. "Deselaborado". Previsível.
Pobre. Penso nisso enquanto vejo meus alunos desfiando um rosário de seus funks
favoritos. Estamos na última semana de aula e os poucos presentes na sala, que
não se preocuparam em aprender absolutamente nada ao longo de um ano horroroso
como este, agora desfrutam dos últimos momentos na escola neste ano para
cantarem pornografia nada ligth.
Quando o inverno chegar, estas cigarras tremerão de frio? Ou sequer terão
consciência da nevasca que as envolverá, enquanto cantam mais uma vez, brincam
mais uma vez, se alienam mais uma vez, consumidas, consumidas, consumidas.
Já as formigas, conscientes de sua própria
tristeza, trabalham sem canção ao longe, sem refrigério à vista, esperando,
apenas, o inverno. Elas, pelo menos, não incomodam ninguém, e gozarão do fruto
de seu esforço. Mas, bem sabemos, viver apenas para fugir do inverno não é
desfrutar o melhor da vida. As formigas também precisam aprender a cantar,
improvisar, desfrutar. E as cigarras, ah, como seria bom se elas se ocupassem
em elaborar um pouco mais seu canto para adornar a vida que explode dentro
delas…
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