terça-feira, abril 07, 2015

Opiniões


Claro que qualquer pessoa pode ter opinião sobe qualquer coisa. E, na verdade, todo mundo sempre teve opinião sobre tudo. O que mudou é que agora essas opiniões são escritas e postadas, ficam ali para apreciação de pessoas que conhecemos ou não, admiramos ou não.
Deveria ser engraçado o fato de que algumas pessoas são pagas para ter opinião. Os jornais, revistas e portais de notícias, por exemplo, gostam de manter um time de jornalistas, articulistas, cronistas apenas para ficar ali, opinando. Nem sempre aquelas opiniões são embasadas, nem sempre são, assim, diferentes do que podemos raciocinar sozinhos, nem sempre aquelas opiniões são, assim, exatamente de quem as escreve, ou são, mas por um acaso elas refletem a opinião de seus patrões.
Também deveria ser engraçado que jornais, revistas e portais de notícias paguem para que pessoas com opiniões diferentes das de seus donos sejam publicadas. É que não são apenas as pessoas que pensam como os patrões que consomem informação, então, de um jeito ou de outro, é preciso agradar, para vender, inclusive, opinião. Mas jornais, revistas, emissoras de televisão e portais de notícia criam fama − reacionários, fascistas, comunistas, pervertidos − e, mais do que nunca, têm deitado na cama.
É óbvio que o direito à mudança de opinião é sagrado. E as pessoas podem mudar de opinião para uma outra que lhes seja mais conveniente, mais lucrativa, que soe mais justa. Nada disso deve ser reprovado, pois o pensamento evolui, os pontos de vista são móveis, o lambari é pescado e cada um sabe onde o sapato aperta.
Às vezes é muito difícil separar opinião de dogma ou de profissão de fé. Também é muito comum que  se defenda uma opinião a despeito de tantos fatos que apontem na direção contrária. Na maior parte das vezes, a opinião independe da razão, da verdade, da imparcialidade; a opinião abomina imparcialidades. Em muitos episódios, ela não é fruto de uma busca pela verdade, mas uma tentativa, por vezes desesperada, de estar com a razão, de vencer uma discussão.
De vez em quando, as opiniões publicadas por aí são tecidas por pessoas que realmente têm o que dizer, que estudaram, que raciocinaram, e que colocam a consciência na frente do interesse, a ciência antes do bolso, a verdade acima da ideologia, a fé adiante da conveniência. O problema é que essas pessoas, normalmente, sabem que sempre há espaço para a dúvida, e a opinião, ao menos aquela do senso comum, se não odeia, certamente tende a despeitar a dúvida. É por isso que os mais sábios muitas vezes soam como indecisos e os mais ingênuos têm tanta certeza.
Vivemos a era das certezas e das opiniões definitivas. É por isso que estamos tão perdidos.

Menoridade social


A redução da maioridade penal é um tema apaixonante. Muito difícil entrar em uma discussão com esse assunto sem que ânimos se exaltem. Todo mundo tem muita razão, a ponto de faltar com o respeito com quem pensa diferente. Pois então, eu também tenho as minhas razões.
Em primeiro lugar, é preciso resolver uma questão de base: o que se busca com a redução da maioridade penal: educar e ressocializar, com vistas a reduzir a criminalidade, recuperando os infratores, e assim reduzir o número de vítimas de crimes em geral, ou punir e vingar os crimes já cometidos? São duas coisas diferentes, são duas opções que dizem respeito a como cada um de nós pretende levar a vida, são escolhas que revelam nossas prioridades.
Se as estatísticas que povoam as redes sociais são verdadeiras, como as brilhantemente apresentadas por Eliane Brum, a redução da maioridade penal não terá impacto significativo sobre o montante de crimes praticados, pois a porcentagem de delitos cometidos por menores de idade é muito pequena, praticamente ínfima. E, bem sabemos nós, há uma quantidade significativa de crimes, especialmente de assassinatos, que são atribuídos a jovens menores de idade para livrar os criminosos mais velhos de penas maiores. Todo mundo já reparou que quando um assassinato é cometido por um grupo de delinquentes dentre os quais se encontra um menor, sempre é este que puxa o gatilho, livrando assim a barra de seus comparsas. A redução da maioridade penal, nesses casos, não ajudará a reduzir os crimes, mas fará com que a idade dos que acompanham criminosos para serem responsabilizados no caso de serem pegos diminuirá, passará de dezesseis, dezessete anos para quatorze, doze anos, até que algum jornalista popularesco surja com a genial ideia de reduzir ainda mais a maioridade penal até chegarmos à idade mínima em que uma criança consegue segurar uma arma e efetuar um disparo,  o que pode acontecer antes mesmo de o indivíduo ser plenamente alfabetizado.
Por outro lado, e disso quem trabalha com adolescentes sabe muito bem, faz pouco sentido afirmar que um jovem com dezessete, dezesseis, ou mesmo com quatorze, treze anos, não tem o mínimo de discernimento para compreender o que são crimes, especialmente os mais brutais, como estupros, sequestros e assassinatos. Ainda que não brotem a cada esquina, como alguns políticos e parte da imprensa nos querem fazer crer, há sim assassinos cruéis, assaltantes frios e estupradores sanguinários com menos de dezoito anos. Estes, quando são pegos, passam cerca de três anos em pequenas escolas do crime, como a Fundação Casa, onde não há a mínima condição de serem reeducados, a não ser quando falamos de especializações no próprio mundo do crime. Passar estes adolescentes para presídios com bandidos mais tarimbados e persuasivos não trará benefícios para a sociedade. Se tratar criminosos perigosos com menos de dezoito anos como crianças incapazes e indefesas é nítido sinal de ingenuidade, encarcerá-los ao lado de bandidos mais velhos, experientes e persuasivos é mais um motivo para que a sociedade se sinta insegura, pois esta é a melhor forma de perpetuar as práticas criminosas: distribuindo know-how de geração para geração.
Como cristão, fiz uma opção definitiva pelo perdão e pela reeducação. Luto diariamente para que instintos primitivos como o desejo de vingança pura e simples sejam domados dentro de mim. Sei, contudo, que as penalidades imputadas aos criminosos não são apenas para "reeducá-los", mas também em boa parte para coibir as práticas delinquentes e para punir, sim, os infratores. Tais punições são imputadas aos que têm discernimento suficiente para saber o que podem ou não podem fazer em sociedade. Então, um menor, digamos, de dezesseis anos, que sequestra, estupra e mata alguém, a não ser que sofra de algum mal que o impeça de perceber que estas práticas são hediondas, proibidas em nossa civilização, deve, sim, ser punido. Mas não deve ser inserido em um sistema que além de punir irá lhe propiciar um verdadeiro curso de especialização no crime e nas leis que regem o submundo. Em casos como estes, ao lado da punição, deve haver uma preocupação reforçada, sim, em recuperar o infrator, e isso não apenas para o bem dele, mas da sociedade como um todo.
E é especialmente neste quesito que os governos brasileiros têm fracassado sistematicamente ao longo dos anos. O que deveria funcionar como centro de reabilitação de menores infratores não passa de penitenciária de menores, com direito a doses variadas de violência e ao desenvolvimento de códigos de conduta entre os criminosos desde a mais tenra idade. Nos locais onde o Estado amontoa menores infratores, a primeira lição a ser aprendida é a de que sociedade e governo desprezam quem passa por ali, e que a alternativa mais viável é especializar-se no crime o suficiente para não ser detido outra vez, ou cruel o bastante para sobreviver nas futuras estadias em centros de detenção.
Daí que, se não podemos ser ingênuos o bastante para olharmos para criminosos mirins − sim, eles existem − como simples vítimas de um sistema cruel, também não podemos ser tolos a ponto de acreditar que a redução da maioridade penal nos trará maior segurança: no máximo, saciará parcialmente nossa feroz sede de vingança, o que já agradará a muitos. Contudo, a contraproposta a esta questão não é deixar tudo como está, pois está tudo muito mal. O governo e suas penitenciárias, seja para menores ou para maiores de idade, sustenta o que talvez seja a maior rede pública de escolas do crime do mundo, mantendo presos inclusive pessoas que praticaram delitos, digamos, de "baixo impacto" e que poderiam pagar suas dívidas para com a sociedade de formas alternativas e verdadeiramente socioeducativas; em vez disso, o sistema carcerário brasileiro oferece aos pequenos infratores oportunidades de evolução criminal, fazendo com que um ladrão de margarina possa virar um assaltante de banco, ou um pequeno traficante em dois, três anos de convivência com "profissionais" mais gabaritados.

Discutir a maioridade penal no Brasil vai muito além da questão de encarcerar adolescentes ao lado de bandidos mais velhos, o que já soa como algo grotesco. Passa, repito, por uma questão de base: queremos reconstruir nossa sociedade ou simplesmente nos vingar, de preferência nas camadas menos favorecidas da população? Encarar de fato estas questões pode ser nosso passaporte para a maioridade de nossa sociedade.

Um sonho Criolo


Em 1999 três coisas banais aconteceram. Comecei a trabalhar como professor, fiz amizade com um colega de escola e comprei um CD duplo do Chico Buarque.
Uma quarta coisa também aconteceu: fui ao show As Cidades, do Chico Buarque, duas vezes, uma delas com meu pai. Fiquei anos em pleno devaneio no qual fazia uma turnê com o próprio Chico, cantando músicas minhas e dele. Sim, nos meus devaneios eu sabia tocar violão, era membro de uma banda de rock de sucesso e dava um tempo na carreira do grupo para tocar com meu maestro soberano. Sempre que ouvia aquele CD comprado em 1999 me via no palco ao lado do mestre.
Aquele meu amigo da escola, colega de profissão, também sonhava, tinha seus devaneios. Por coincidência, ele também desejava a música, mais especificamente o rap. Mas, diferentemente de mim, que até hoje não sei fazer um acorde no violão, esse meu amigo batalhou no hip hop como poucos, não desistiu de seus sonhos − embora tenha chegado muito perto disso − e chegou onde eu só conseguiria ir mesmo nos devaneios.
Aquele meu amigo se chamava Kleber, mas hoje é conhecido internacionalmente como Criolo. Quando canta, no Circo Voador, na França, no Lollapalooza ou no Centro Cultural Palhaço Carequinha, no Grajaú, realiza com alegria seu projeto pessoal, mas alimenta os sonhos de muitos de nós das quebradas que ainda lutamos para fazer arte, de qualquer tipo. Desisti cedo da música, embora ainda me imagine, de vez em quando, em algum palco da vida por aí, mas me agarrei às palavras em praticamente todas as suas vertentes estéticas como tábua de salvação, como um meio de compartilhar, celebrar e sangrar a vida. Como eu, há milhares, milhões, que ao ver o sucesso de Racionais e Criolos acreditam que há espaço para nós − e se não houver, sempre pode ser tomado de assalto, com manha, com graça.

Quando soube que Criolo cantaria em um show no Parque do Ibirapuera ao lado de Chico Buarque, celebrando os 70 anos do sambista, não pude deixar de me emocionar e de me sentir devidamente representado. Mesmo sem poder ir ao show, me senti um pouquinho no palco também. Afinal, da ponte pra cá, somos todos criolos, no sonho, na perseverança, na língua que inventamos, no amor que colorimos, na comunhão que dividimos. Evoé axé, amém aleluia!

segunda-feira, abril 06, 2015

O canto da formiga e o engenho da cigarra


Não saberia dizer qual das fábulas de Esopo é a mais famosa. Certamente, a mais criticada nos últimos anos é justamente A cigarra e a formiga. As pessoas reclamam do preconceito de Esopo, e também de La Fontaine, contra as artes e os prazeres da vida.
Apesar de ser alguém apegado às artes e aos prazeres da vida muito mais que ao trabalho, creio que o comportamento da cigarra merece alguma censura, que a formiga tem direito a sua cota de aplausos. Afinal de contas, tudo tem a sua hora, e se a cigarra só pensa em cantar, não reclame das necessidades que passará com a chegada do inverno; quem se prepara com diligência e esforço realmente estará protegido contra infortúnios.
Há também um outro ponto que merece atenção. O canto da cigarra, desde que você não seja uma cigarra fêmea desfrutável, é extremamente desagradável. É incômodo, desafinado. Estridente. "Deselaborado". Previsível. Pobre. Penso nisso enquanto vejo meus alunos desfiando um rosário de seus funks favoritos. Estamos na última semana de aula e os poucos presentes na sala, que não se preocuparam em aprender absolutamente nada ao longo de um ano horroroso como este, agora desfrutam dos últimos momentos na escola neste ano para cantarem pornografia nada ligth. Quando o inverno chegar, estas cigarras tremerão de frio? Ou sequer terão consciência da nevasca que as envolverá, enquanto cantam mais uma vez, brincam mais uma vez, se alienam mais uma vez, consumidas, consumidas, consumidas.
Já as formigas, conscientes de sua própria tristeza, trabalham sem canção ao longe, sem refrigério à vista, esperando, apenas, o inverno. Elas, pelo menos, não incomodam ninguém, e gozarão do fruto de seu esforço. Mas, bem sabemos, viver apenas para fugir do inverno não é desfrutar o melhor da vida. As formigas também precisam aprender a cantar, improvisar, desfrutar. E as cigarras, ah, como seria bom se elas se ocupassem em elaborar um pouco mais seu canto para adornar a vida que explode dentro delas…

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